Nota técnica UniRede sobre a Portaria nº 2.539/2025 do CNPq

A Portaria nº 2.539, de 17/11/2025, do CNPq – ao excluir estudantes de Educação a Distância (EaD) do acesso às Bolsas de Iniciação Científica (IC) – institui uma medida que compromete a equidade, o senso de pertencimento, o incentivo acadêmico e a permanência estudantil no ensino superior, especialmente entre aqueles que realizam sua formação por meio da EaD.

Nesse contexto, a Associação Universidade em Rede (UniRede), por meio de seus representantes associados, manifesta preocupação diante da referida medida, especialmente considerando o cenário de profundas transformações e de grandes impactos que atualmente incidem sobre a Educação a Distância no setor público, por diversos motivos, dentre os quais é possível destacar:

1. Princípio da isonomia e equidade

  • Validade do diploma: o diploma de um curso de graduação ofertado a distância tem a mesma validade legal de um curso ofertado no formato presencial. Se a formação é equivalente perante a lei, o acesso aos incentivos acadêmicos também deveria ser.
  • Capacidade e mérito: a capacidade de um estudante matriculado em um curso ofertado a distância para realizar pesquisas de qualidade não é determinada pelo formato de oferta (presencial, semipresencial ou a distância), mas, sim, por seu mérito acadêmico e sua dedicação. Excluir os estudantes da EaD pressupõe, injustamente, uma inferioridade na qualidade da sua formação ou pesquisa.

2. Incentivo à pesquisa e à inovação

  • Descentralização da pesquisa: permitir a participação de estudantes de cursos ofertados a distância na IC democratiza o acesso à pesquisa. Muitas vezes, esses estudantes estão em locais distantes dos grandes centros de pesquisa ou precisam conciliar estudos com trabalho, tornando a flexibilidade crucial.
  • Formação integral: a IC é um componente essencial na formação de pesquisadores, estimulando o senso crítico e a produção de conhecimento. Excluir uma grande parcela de estudantes enfraquece o potencial científico do país.
  • Desconstrução de mitos: a EaD pode, inclusive, facilitar o uso de ferramentas digitais e metodologias inovadoras na pesquisa, alinhando a IC às tendências de ciência aberta e colaboração em rede, conectando estudantes que vivem nas mais diversas regiões dentro e fora do Brasil.

3. Acesso e permanência estudantil

  • Incentivo financeiro: as bolsas de IC são um mecanismo crucial de permanência para muitos estudantes de baixa renda, auxiliando nas despesas básicas e permitindo que dediquem mais tempo aos estudos e à pesquisa.
  • Duplo prejuízo: ao negar o acesso à bolsa, o estudante da EaD perde tanto o incentivo financeiro quanto a experiência curricular valiosa da pesquisa.

Assim, o argumento de que “a supervisão e carga horária de dedicação não são compatíveis para os estudantes de cursos superiores ofertados a distância, uma vez que a IC exige uma dedicação semanal considerável e uma interação física/presencial estreita com o laboratório ou o orientador” não se sustenta, pelas razões apresentadas a seguir:

Primeiro, quando se considera a obrigatoriedade de carga horária mínima presencial em cursos superiores ofertados no formato semipresencial e no formato a distância, deve-se observar que, com a nova política de EaD instituída pelo MEC, por meio do Decreto nº 12.456, de 19 de maio de 2025, as atividades cujo processo de ensino-aprendizagem não possa ser plenamente assegurado em formato virtual devem ocorrer presencialmente na sede da Instituição de Educação Superior, nos campi fora das respectivas sedes, no Polo EaD, em ambiente profissional, em espaços para atividades de extensão ou em outros espaços de aprendizagem previstos no Projeto Pedagógico do Curso, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais e a legislação pertinente, incluindo, entre outras, avaliações presenciais, seminários integradores e práticas laboratoriais.

Segundo, é possível observar que muitos projetos de IC podem ser conduzidos integral ou majoritariamente de forma online, mediada por tecnologias digitais, especialmente em áreas de Humanidades, Ciências Sociais e Computação.

Por fim, faz-se necessário mencionar uma tendência atual, inclusive em função dos processos de transformação digital intensificados em um contexto pós-pandêmico, de que as agências de fomento revejam essas restrições, buscando formas de garantir a qualidade da pesquisa e a supervisão efetiva sem excluir o estudante unicamente pelo formato de oferta.

Diante do exposto, a UniRede recomenda a revisão da Portaria nº 2.539, de 17/11/2025, que estabelece a exclusão dos estudantes da Educação a Distância do acesso às Bolsas de Iniciação Científica, uma vez que tal restrição contraria princípios de equidade, mérito acadêmico e democratização do ensino superior.

A EaD constitui, no Brasil, uma política estratégica de expansão educacional, especialmente para estudantes que historicamente estiveram à margem do acesso e da permanência em instituições públicas. Negar a esses estudantes a possibilidade de vivenciar experiências científicas e formativas de igual relevância às de seus pares da educação presencial significa reforçar discriminações baseadas no formato de oferta e não na qualidade de sua formação ou em seu desempenho acadêmico. Assim, espera-se que o CNPq promova os ajustes necessários para assegurar que a educação superior pública brasileira siga avançando com qualidade, inclusão e justiça, sem preconceitos nem deslegitimação quanto ao formato de oferta em que se estrutura.

Posted in Notícias.